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Pedro Simon |
O que se assiste, nestes nossos turbulentos dias, é uma cruel
e perversa banalização da vida. Perderam-se, na ventania da barbárie, os nossos
melhores valores e referências de vida, cultivados durante gerações inteiras. A
televisão substituiu a família, a escola e a igreja, não apenas na melhor informação,
mas, principalmente, na formação do caráter, principalmente dos mais jovens. O
círculo familiar da troca de idéias, por exemplo, deu lugar ao semicírculo do
silêncio, cortado pela voz do locutor, ou do ator. A vida, nem mesmo, imita a
ficção. É substituída por ela.
A questão central, quando se analisa o papel da televisão na
formação da sociedade é se o noticiário reiterado da violência não geraria
efeitos multiplicadores da barbárie.
Ou seja, se é a notícia que municia as novelas, tão pobres
das melhores referências, ou se ocorre, exatamente, o contrário.
O escritor Sílvio de Abreu atribui a inversão de valores
presente nas novelas, legitimada pelas pesquisas qualitativas, aos escândalos e
à falta de ética na política que, no caso, nada têm de ficção. Ao contrário,
tem sido prática cada vez mais constante na realidade brasileira e, conseqüentemente,
no noticiário do dia-a-dia. Para o autor, portanto, é o noticiário que municia,
e legitima o enredo.
Nunca, em qualquer outro momento da nossa história política,
a corrupção campeou, com tamanha desenvoltura, nos corredores do poder. Todos
os segmentos da Administração Pública viraram notícia. Transferiram-se dos
cadernos de política para as páginas policiais. Receberam, nas operações da
Polícia Federal, nomes dos mais criativos. Mas, é, ainda, um segmento que tem
condições financeiras para contratar os melhores advogados. Para estes, a
justiça descansa. Do outro lado do muro, uma imensa maioria, que mal sabe o que
é justiça, mas que conhece, muito bem, a polícia.
Há, portanto, um verdadeiro muro da vergonha que divide o
mundo entre incluídos e excluídos. De um lado, a grife, a opulência. De outro,
a fome, a miséria. O consumismo se transformou num verdadeiro fundamentalismo
religioso imposto pelas escrituras da globalização. Daí, a busca de valores e
referências perdidos nestes tempos de barbárie e de desvios éticos do
comportamento humano. Um resgate do melhor conceito de humanidade. E, quem
sabe, de felicidade.
É por isso que temas como família, escola, igreja, mídia, ética,
valores, referências, legitimidade institucional, reforma política,
desobediência civil, violência, barbárie, fome, miséria, entre outros afins,
são tão reiterados, nas reflexões aqui publicadas. Tenho repetido que as
mudanças que o país tanto reclama deverão emergir da sociedade civil, de fora para
dentro das instituições públicas que, pilares da democracia, apresentam, hoje,
baixíssimos índices de legitimidade. Para que essa esperança coletiva se torne
realidade, há que se ocupar, de novo, as ruas e as praças deste País, através da
sociedade civil organizada, em manifestações pacíficas, como nos momentos
históricos das Diretas-Já e dos Caras-Pintadas. O País não pode conviver, mais,
com tamanha barbárie e corrupção, que corroem os pilares da democracia brasileira.
O Brasil perdeu, nos tempos recentes, nomes referenciais como
Dom Ivo Lorscheiter, Dom Helder Câmara, Barbosa Lima Sobrinho, Teotônio Vilela,
Tancredo Neves, Darcy Ribeiro, Raimundo Faoro, Evandro Lins e Silva, Sobral
Pinto, Celso Furtado, entre tantos outros. Ficaram, entretanto, os seus
exemplos e ensinamentos. São homens que não se contentaram em viver a história
do País. Fizeram-na.
Todos esses exemplos e ensinamentos são fundamentais para
que possamos conceber um projeto de país verdadeiramente nacional. Não há como
continuar convivendo com milhões de excluídos, numa terra que mais se parece
uma síntese da Criação. Não se quer, evidentemente, o fim do supérfluo, mas a
distribuição democrática do necessário.
Espero que a leitura desta publicação, extraída dos meus principais
pronunciamentos no plenário do Senado Federal e de palestras em universidades e
instituições representativas da sociedade civil, vá muito além da sua mera
tiragem.
Como instrumento de discussão em busca da realização dos melhores
sonhos por um país moldado pela dignidade, pela ética, pela democracia, pela
soberania e pela cidadania, ela não pode dormitar nas prateleiras frias do
esquecimento.
Senador PEDRO SIMON
Dois mundos: em busca de valores e referências / Pedro
Simon. – Brasília :
Senado Federal, 2007.
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